Mais de 80% da população brasileira é contra a atividade no país, segundo maior exportador de bovinos em todo o mundo
Por Cristina Mendonça, diretora executiva da Mercy For Animals no Brasil
Todos os anos, cerca de 11 milhões de bovinos são embarcados em navios e transportados até países distantes para serem mortos por sua carne. Trafegam em condições críticas e são abatidos de forma brutal. O Brasil é um dos maiores responsáveis por isso. Ao longo da última década (2012-2021), o país exportou, por via marítima, ao redor de 2,6 milhões de bovinos vivos, quantidade inferior apenas à exportada pela Austrália.
Neste dia 14 de junho, data mundial da conscientização pelo banimento da exportação de animais vivos, deixamos o convite para refletirmos, todos, com compaixão, sobre a dura realidade por trás dessa atividade e para nos juntarmos à mobilização global por seu fim.
Sobretudo nessa data, imperativo lembrar que o grau de consciência sobre a crueldade da exportações de animais vivos já está estabelecido no país: a maior parte da população brasileira (84%) é favorável à proibição da atividade, segundo pesquisa do Instituto Ipsos realizada em 2019. Importante partir para a ação.
O que exatamente torna a exportação de animais vivos por mar uma atividade tão terrível? Normalmente, não temos noção do que de fato acontece nos bastidores das indústrias de exploração animal. As informações reveladas a seguir são resultado de diversas investigações realizadas por organizações de proteção animal em vários países, ao longo de muitos anos.
Ainda antes de serem embarcados, os animais frequentemente são submetidos a intenso sofrimento. A viagem em caminhões do interior do Pará, de onde partem dois de cada três bois exportados vivos pelo Brasil, até os estabelecimentos de pré-embarque, onde os animais ficam em quarentena antes de serem enviados ao porto, pode levar até mais de 3 dias.Nos caminhões, os animais ficam amontoados em meio a fezes e urina e não podem deitar-se para descansar. A jornada é comumente marcada por fome, sede , além de calor intenso.. Acidentes não são incomuns, sobretudo nas estradas precárias.
O embarque nos navios marca o início de uma nova e dolorosa etapa. A depender da quantidade de animais, a operação de embarque pode durar até mais de uma semana. Durante esse período, os animais são obrigados a viver, de novo, em meio a seus próprios dejetos, que não podem ser lançados para fora enquanto o navio não tiver partido e alcançado o alto mar.
Os sistemas de ventilação são inadequados, deficientes ou mesmo inoperantes. Isso agrava a situação e faz com que os animais tenham que respirar a amônia liberada pelos dejetos. Tudo isso em meio ao estresse térmico, especialmente nos meses mais quentes do ano.
Importante ressaltar que mais da metade da frota que transportou animais vivos a partir do Brasil entre 2015 e 2021 é constituída de navios antigos, com mais de 30 anos de serviço, e que cerca de 90% dos carregamentos desse período foram realizados em navios que não foram originalmente projetados para essa finalidade.
A superlotação é outra indesejada realidade. Em 43% dos embarques realizados no Brasil entre 2011 e 2015 houve superlotação. No período, 400 mil bois foram forçados a viver confinados em um espaço menor que o tamanho de uma porta (0,72cm X 2,10cm) por no mínimo duas semanas, inclusive sob condições climáticas adversas.
Muitos desses animais não conseguem sequer chegar ao destino final: morrem durante a viagem por enfermidades como infecções pulmonares ou mesmo em decorrência do estresse térmico. Essas são as principais causas de morte a bordo dos navios de transporte de animais. Seus corpos costumam ser triturados e jogados ao mar.
Nos abatedouros dos países de destino, a maioria no Oriente Médio e no Norte da África, os animais sobreviventes são submetidos a uma nova rodada de intenso sofrimento físico e psicológico. Nesses locais, é comum que o abate seja realizado sem prévia insensibilização, o que significa que o animal está consciente e é capaz de sentir dor ao ter sua garganta cortada.
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A brutalidade também pode ocorrer durante o manejo, com práticas como a torção de rabo, o corte de tendões das pernas e até a perfuração dos olhos sendo utilizadas para desnortear e imobilizar os bois antes do abate. Tais práticas estão definitivamente em desacordo com os padrões de bem-estar animal estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde Animal e, se fossem realizadas no Brasil, seriam consideradas ilícitas.
Os danos causados pela exportação de animais vivos vão além do sofrimento animal. A atividade integra a cadeia da pecuária bovina, que é o principal motor do desmatamento no bioma amazônico. Entre 2016 e 2020, 9% dos bois criados no Pará, estado que lidera o ranking de desmatamento da Amazônia desde 2008, foram exportados vivos. Relatório produzido pela Mercy For Animals em parceria com a Repórter Brasil em 2021 revelou que fornecedores indiretos das grandes empresas exportadoras de bois vivos tinham operações em áreas desmatadas ilegalmente.
Casos de uso de trabalho escravo também já foram documentados no setor, o que não surpreende, já que a pecuária bovina lidera de longe o ranking nacional de uso de mão de obra em condições análogas à escravidão.
Tramitam hoje no Congresso Nacional três projetos de lei que pedem pelo fim da exportação de animais vivos: o PL 357/2018, o PL 3093/2021 e o PL 3316/2021. Esperamos que nossos representantes eleitos atendam aos anseios da grande maioria da população. Com mais de meio milhão de assinaturas, a petição co-criada pela Mercy For Animals e a ativista Luisa Mell é outra prova de que parcela significativa da nossa sociedade deseja o fim da exportação de animais vivos. Ao redor do mundo, a mudança já começou. Proibições e restrições já foram anunciadas na Ásia, na Oceania e na Europa. O Brasil não pode ficar para trás, mas adiante da proteção do bem-estar animal. Podemos liderar a mudança.