Declaração de Cambridge redimensiona transição da relação humana com outras espécies
Por Walter Sánchez Suárez (BVSc, MPhil, PhD)*, veterinário, filósofo, cientista especializado no estudo do comportamento animal e consultor da Mercy For Animals (texto com tradução de Paula Cardoso)
A Declaração de Cambridge sobre a Consciência completa neste dia 7 de julho dez anos de publicada. Foi em 2012 que cientistas de várias áreas relacionadas ao estudo da consciência assinaram o documento durante a Francis Crick Memorial Conference, na Universidade Inglesa de Cambridge, declarando que a capacidade de processar informações de forma consciente – informações que quando processadas “são sentidas como algo” – não é exclusiva dos seres humanos.
O documento representa um marco na transição da relação humana com outras espécies. Embora existam diversas correntes filosóficas e científicas que defendem que a capacidade de experimentar estados conscientes é exclusiva de seres humanos, os cientistas definiram que outros animais, como os mamíferos não humanos, os pássaros e até certos invertebrados, como os moluscos cefalópodes, possuem bases anatômicas e fisiológicas consideradas necessárias para a geração de estados de consciência.
Do ponto de vista ético, as implicações da Declaração de Cambridge são muito relevantes, pois a capacidade de ser consciente é o atributo necessário e suficiente para merecer plena consideração moral em base às principais posições filosóficas. (Ethics 2021). Na prática, isso quer dizer que todos esses indivíduos conscientes devem ser respeitados com base em suas necessidades e preferências, independentemente da espécie a que pertencem. Portanto, os interesses desses seres devem ser levados em consideração quando decidimos nossas ações, com a intenção de fazer todo o possível para garantir seu bem-estar..
Passados dez anos, a comunidade científica adquiriu novos conhecimentos que reforçam a Declaração de Cambridge e sugerem que outras espécies animais também parecem poder vivenciar seus mundos de maneira consciente. Um exemplo deste maior consenso foi alcançado sobre a consciência dos peixes, por exemplo. As evidências atuais, obtidas através do estudo de várias espécies, sugerem que o sistema nervoso destes seres parece ser capaz de gerar experiências conscientes (Brown 2015; Mason and Lavery 2022).
No caso dos animais invertebrados, novas descobertas indicam que os artrópodes também poderiam ser capazes de processar informações conscientemente, o que implicaria que seu bem-estar também teria que ser levado em consideração com base no princípio da precaução (Birch 2022; Mikhalevich and Powell 2020). O grupo dos artrópodes inclui crustáceos, insetos e aracnídeos, dentre outros, e, como os moluscos, possuem sistemas nervosos significativamente diferentes dos característicos dos animais vertebrados.
A ciência avança na compreensão da função da consciência do ponto de vista evolucionário, incluindo quais comportamentos parecem ser possíveis apenas na presença de estados conscientes, e que tipo de sistemas nervosos parecem necessários para a geração desses estados. Sem dúvida, na próxima década, seguiremos progredindo no estudo dessas questões, não apenas para continuar tentando desvendar um dos maiores desafios da ciência atual, mas também para prosseguir entendendo quais indivíduos merecem plena consideração moral com base em suas capacidades e, assim, continuar a avançar para um mundo mais justo, que leve em conta as necessidades e o bem-estar dos seres capazes de vivenciá-lo conscientemente.
Referências
Birch, Jonathan. 2022. “The Search for Invertebrate Consciousness.” Nous 56 (1): 133–53.
Brown, Culum. 2015. “Fish Intelligence, Sentience and Ethics.” Animal Cognition 18 (1): 1–17.
Ethics, Animal. 2021. “O argumento da relevância.” Animal Ethics. July 24, 2021. https://www.animal-ethics.org/o-argumento-da-relevancia/.
Mikhalevich, Irina, and Russell Powell. 2020. “Minds without Spines: Evolutionarily Inclusive Animal Ethics.” Animal Sentience 29 (1). https://scholarworks.rit.edu/article/1993/.