Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostraram que o Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, perdendo apenas para a China e os Estados Unidos. Curiosamente, é também um dos países que mais desperdiça comida em todo o planeta e onde parte da população ainda vive em situação ou em algum grau de vulnerabilidade alimentar.
Com a crise sanitária causada pelo novo coronavírus, muitas famílias perderam suas rendas e outra pandemia se estabeleceu: a do desemprego, da pobreza e desnutrição, recolocando o país nos patamares próximos aos de 2004, quando ainda vivíamos sob o mapa da fome.
Em 2020, entre outubro e dezembro, segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, liderado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), aproximadamente 18 milhões de pessoas passaram fome ou alegaram algum tipo de insegurança alimentar dentro do território brasileiro.
“Estamos diante de uma realidade paradoxal em que pessoas passam fome e milhares de alimentos, — mais de 41 mil toneladas — são jogados no lixo diariamente. Isso acontece devido à estrutura do nosso sistema alimentar, que prejudica as pessoas e o meio ambiente. É urgente uma mudança estrutural e institucional, e o nosso objetivo é encorajar instituições do poder público, que são responsáveis tanto por influenciar mudanças em larga escala quanto atender pessoas em vulnerabilidade social por meio de políticas públicas, e a sociedade civil, para que tenham conhecimento, autonomia alimentar e — para aqueles que podem — fazer escolhas saudáveis mesmo em, ou apesar de, situações de crise”, afirma Alice Martins, gerente de políticas alimentares do Alimentação Consciente Brasil.
Os dados ainda mostraram que 116,8 milhões de pessoas passaram a conviver com algum tipo de incerteza alimentar durante a pandemia, 54,5 milhões não possuem acesso a alimentos saudáveis e com quantidade suficiente de nutrientes e 43,4 milhões alegaram não ter condições de comprar comida nas quantidades adequadas para o seu sustento.
Lamentavelmente, o descaso com essas milhares de famílias ainda incentiva outro problema: os desertos alimentares, conceito que envolve diversos aspectos econômicos e sociais, e se coloca como mais um obstáculo para bairros periféricos que, por falta de políticas públicas, culturais e de saúde, acabam, por muitas vezes, não tendo acesso a alimentos mais naturais e menos processados.
Uma conta que não fecha
Ainda segundo a FAO, entre 1990 a 2005, mais de 80% da área desmatada na Amazônia brasileira foi transformada em pasto que, sem a fiscalização adequada, vira uma dinâmica simples para grilagem no país.
Cortam-se as árvores, queimam o que sobrou das vegetações, espera-se o crescimento do capim e pronto, um pasto está criado. Após um curto período de tempo, nas áreas mais planas, já é possível observar o crescimento dos grãos que serão exportados e transformados em ração para animais — é necessário 6 kg de grãos para 1 kg de produtos de origem animal, como carne, leite e ovos.
“O Guia Alimentar para a População Brasileira estabelece que frutas, legumes, verduras e grãos devem ser a base de uma alimentação saudável. Enquanto cerca de metade (41%) dos brasileiros passaram a consumir menos desses alimentos durante a pandemia, a maior parte dos grãos (79%) produzidos no país segue sendo destinada à alimentação de animais criados para consumo. O atual sistema alimentar é planejado para atender os interesses do agronegócio e da produção de alimentos ultraprocessados”, finaliza Martins.
É possível um sistema que alimente mais pessoas com diversidade e qualidade de nutrientes, de forma autônoma e independente de produtos ultraprocessados. Com incentivo a uma alimentação totalmente vegetal, o país poderá caminhar para proteger os seus recursos naturais e, com isso, ajudar na construção de um mundo livre de exploração animal e com maior segurança alimentar.