Mais de 50 mil focos de incêndio foram registrados no Cerrado, Pantanal, Amazônia e Mata Atlântica desde o início de setembro, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). As queimadas provocaram uma densa cortina de fumaça que cobriu mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 60% do território brasileiro.
De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, a maior parte desses incêndios foram causados por ação humana, com o objetivo de converter florestas em áreas de pastagens, e assim expandir as fronteiras agrícolas.
“As pessoas estão trabalhando numa lógica de “vamos degradar a floresta e vamos colocar gado do mesmo jeito. E, para degradar a floresta, vamos queimar”. […] É muito essa lógica: eu vou acabar com a floresta. Não preciso desmatar. Porque o desmatamento é caro. O fogo é muito mais barato, só comprar gasolina e sair espalhando” explicou.
O relatório de 2024 do MapBiomas reforça essa análise, apontando que 97% do desmatamento da vegetação nativa do Brasil nos últimos cinco anos foi causado pela expansão da agropecuária.
A agropecuária é um setor do agronegócio que cria e explora animais para atender à demanda da indústria da carne. Segundo o levantamento do MapBiomas (2021), mais de 156 milhões de hectares do território brasileiro — uma área equivalente a praticamente todo o estado do Amazonas — são utilizados para a criação de bois. Grande parte dessas áreas estão localizadas em biomas que antes eram ocupados por florestas.
Outra atividade da agropecuária é o cultivo de monoculturas, como a soja, que exige uma grande porção de terra. Esse grão é cultivado principalmente para a produção de ração animal, para alimentar animais explorados para consumo no Brasil e no exterior. Dados setoriais indicam que o Brasil produziu mais de 150 milhões de toneladas de soja em 2023, e cerca de 80% dessa produção é destinada à alimentação de animais que mais tarde serão abatidos por sua carne.
Cerrado, Amazônia e Pantanal podem deixar de existir
Como mostra os dados do MapBiomas, a biodiversidade brasileira está sendo destruída para sustentar a indústria da carne. O Pantanal, a Amazônia e Cerrado ao serem convertidos cada vez mais em pastagens e plantações de soja, podem deixar de existir em alguns anos e as consequências podem ser desastrosas para o clima, colocando em risco o fornecimento de água e alimentos para a população.
Só no Pantanal, 338.675 hectares já foram queimados em 2024, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), isso representa uma área equivalente a duas vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Se o desmatamento continuar nesse ritmo, o bioma pode deixar de existir até 2070, como mostrou o climatologista Carlos Nobre.
“Acho que o Pantanal acaba até 2070, sem falar nos outros biomas. Amazônia, o Cerrado, a Caatinga: todos os biomas estão em risco. Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos 50% da floresta até 2070. O Pantanal já reduziu 30% nos últimos 30 anos; está secando. E agora o fogo destrói a vegetação” afirmou Carlos Nobre.
Nos últimos 39 anos, a Amazônia perdeu 55 milhões de hectares de floresta, de acordo com o levantamento do MapBiomas. No mesmo período, o Cerrado viu desaparecer metade de sua vegetação nativa, cerca de 88 milhões de hectares — uma área superior à do Chile.
O desmatamento em um bioma impacta diretamente outros, criando um ciclo de degradação ambiental. A destruição do Cerrado, conhecido como “berço das águas”, está transformando a região em uma área árida, e compromete os fluxos dos rios que alimentam o Pantanal e a Amazônia, além de diminuir o regime de chuvas.
De forma semelhante, o desmatamento na Amazônia reduz a umidade do ar e agrava a crise hídrica no Cerrado e no Pantanal, aumentando a vulnerabilidade desses biomas a incêndios e à seca.
Brasil tem mais de 1.253 espécies de animais ameaçados de extinção, e número pode aumentar após queimadas
A indústria da carne não só destrói vidas de animais explorados em fazendas, mas também provoca a morte de milhares de espécies silvestres. Estima-se que mais de 65 milhões de vertebrados, incluindo araras, tamanduás, jacarés e lobos-guará, foram mortos em incêndios no Pantanal, segundo o MapBiomas. Esse número já supera o número de mortos registrada em 2020, quando 17 milhões de animais foram afetados pelas queimadas na região.
As queimadas também afetam o Cerrado, a Amazônia e a Mata Atlântica, habitats de diversas espécies de animais silvestres. Embora os dados sobre a mortalidade de animais nesses biomas ainda não estejam consolidados, a extensão das áreas queimadas este ano sugere que o impacto sobre a fauna pode ser tão grave quanto o observado no Pantanal.
Atualmente, mais de 1.253 espécies como onça-pintada, o mico-leão-dourado, lobo-guará e arara-azul-de-lear estão listadas como ameaçadas de extinção no Brasil, e esse número pode crescer à medida que o número de focos de queimadas aumentam.
É hora de transformar o atual sistema alimentar!
Conforme mostram os dados sobre as queimadas, a agropecuária é uma das principais responsáveis pela destruição dos biomas brasileiros. Esse cenário reforça a urgência de repensarmos o atual sistema alimentar, que é baseado na exploração animal para a produção de carne.
A transição para um modelo mais sustentável passa por mudanças na forma como produzimos e consumimos alimentos. Uma alimentação à base de vegetais utiliza menos recursos e emite menos gases de efeito estufa, conforme aponta a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que mostra que a produção de vegetais consome até 50% menos água e terra do que a produção de carne.
Considere se engajar com a gente por esta transformação