No novo curta-metragem do cantor Bad Bunny, DeBí TiRAR MáS FOToS, uma cena envolvendo uma opção de “quesito vegano” em uma padaria gentrificada em Porto Rico levanta questões sobre a da culinária local. Lançado no início de janeiro e já com mais de 19 milhões de visualizações no YouTube, o curta é dirigido e roteirizado por Benito Martínez (Bad Bunny) e tem como protagonistas o Sapo Concho — uma espécie endêmica de Porto Rico ameaçada de extinção devido à crise climática — e um senhor porto-riquenho, interpretado pelo cineasta Jacobo Moral.
No filme, Jacobo, ao visitar uma padaria que antes era tradicional do bairro, percebe que tanto a vizinhança quanto o estabelecimento se transformaram em símbolos da gentrificação e da colonização. A padaria do bairro foi comprada e sob nova direção, passou a oferecer um cardápio gourmetizado e inacessível para antigos moradores, ignorando a cultura e as tradições locais, estabelecendo um novo tipo de relação com a comida e com as pessoas que tradicionalmente vivem na região. O processo de gentrificação é excludente especialmente para pessoas idosas e moradoras mais antigas do bairro.
A opção vegana na padaria gourmetizada é retratada no filme como o ápice de um processo de apagamento cultural, que não dialoga com a culinária local. Após retornar da padaria, o senhor desabafa com seu amigo Sapo Concho:
“Eu não sabia que havia quesitos sem queijo”
“Como é que é?“ – pergunta o sapo concho
“Se vão tirar o queijo, já deveriam mudar o nome”
Uhum – concordou o sapo concho
Essa fala sintetiza a discussão sobre se faz sentido ou não chamar uma versão vegana de um prato tradicional pelo mesmo nome da receita original. A crítica é que chamar de “vegano” um prato que originalmente continha carne, queijo ou ovos pode ser visto como uma apropriação cultural.
No entanto, existem muitas razões pelas quais pessoas veganas ressignificam receitas tradicionais e criam versões vegetais. As adaptações veganas utilizam substitutos vegetais para preservar o sabor, a textura e a essência da receita original. Além disso, muitas pessoas que se tornam veganas ainda carregam uma forte memória afetiva e culinária, e adaptar essas receitas pode ser uma forma de inclusão, conexão e ressignificação da cultura e das tradições.
A adaptação de pratos populares também pode ajudar a desmistificar a ideia de que o veganismo é restritivo ou sem sabor. Muitas pessoas descobrem que a versão vegana de seus pratos favoritos pode ser tão saborosa quanto a original.
Impacto da Alimentação
A exploração de animais para consumo é uma das maiores responsáveis pela degradação ambiental global, sendo a pecuária a principal fonte de emissões de gases do efeito estufa. No Brasil cerca de 74% das emissões são provenientes do setor agropecuário. Além disso, a produção de carne e laticínios está diretamente ligada ao desmatamento, à escassez hídrica e à perda de biodiversidade. Por isso, o veganismo se insere em um contexto mais amplo de busca por sustentabilidade e proteção animal.
Bad Bunny e a cultura porto-riquenha
Porto Rico é um território não incorporado dos Estados Unidos desde 1898, o que significa que, embora tenha autonomia interna, ainda está sujeito às políticas e decisões do governo norte-americano sem plena representação no Congresso. Esse status político tem gerado inúmeros desafios para a ilha, incluindo dificuldades econômicas, falta de infraestrutura e a constante ameaça da migração forçada.
Além disso, a influência externa têm impactado profundamente a identidade cultural porto-riquenha. A chegada de investidores estrangeiros e de uma elite econômica tem deslocado comunidades locais, alterado paisagens urbanas e enfraquecido a conexão dos habitantes com suas próprias tradições. A música, a culinária e os costumes porto-riquenhos muitas vezes são apropriados por empresas e marcas sem o devido reconhecimento ou benefício para a população local.
Bad Bunny, astro do reggaeton, consciente desse cenário, utiliza sua música para reafirmar e celebrar a identidade porto-riquenha como forma de resistir à colonização. Seu último álbum, “DeBí TiRAR MáS FOToS” enfatiza a riqueza da cultura e das tradições da ilha, ao mesmo tempo em que denuncia as injustiças e desafios enfrentados pelo povo porto-riquenho.
Veganismo em Porto Rico
De acordo com a Casa Vegana, organização sem fins lucrativos que promove o veganismo em Porto Rico, 91% da carne bovina, 97% da carne de porco e 79% do frango consumidos na ilha são importados dos Estados Unidos, principalmente de fazendas industriais. Esse cenário mostra que Porto Rico não possui uma cultura própria de produção de carne em escala industrial, dependendo fortemente de importações.
Animais como vacas, porcos e galinhas são espécies introduzidas no continente americano após a colonização. Antes da chegada dos colonizadores, as populações originárias cultivavam alimentos locais, como milho, mandioca e feijões, em uma alimentação baseada na biodiversidade nativa.
Nesse contexto, o movimento de veganismo popular tem levantado a discussão de que adotar o veganismo, aliado a lutas por justiça social e ambiental, pode ser uma forma de resistência à colonização. A proposta é ressignificar a alimentação, valorizar ingredientes nativos e fortalecer a produção local.