80% dos antibióticos manipulados em animais criados para alimentação humana não são usados para tratar infecções

Você pode estar ingerindo antibióticos sem saber

No Brasil, a comercialização de antibióticos é regulada e feita apenas apresentando receita médica. O motivo dessa medida é impedir que as pessoas usem de forma inadequada, evitando o surgimento de bactérias mais resistentes ao medicamento, que se torna ineficaz. 

Porém, no setor de criação de animais para alimentação humana não funciona exatamente desta forma. De acordo com estudo da Universidade de Bolonha em conjunto com a Proteção Animal Mundial, de 75% dos antibióticos vendidos mundialmente, que são para uso animal, 80% não são ministrados com o intuito de tratar infecções. A análise considerou o uso do medicamento na produção de bois, porcos, aves e peixes.

Condições insalubres na criação de animais para o consumo humano é o padrão da indústria. 

Se o combate de infecções não é o principal motivo para o uso de antibiótico em animais de fazendas industriais, qual seria?

Os motivos mais recorrentes são o aumento de produtividade e prevenção de doenças que nem foram contraídas.

O uso do antibiótico, em específico nas rações, acelera o crescimento dos animais, agilizando o abate. Porém, as consequências do crescimento acelerado são inúmeras. Uma ave, por exemplo, que, naturalmente cresceria cerca de 1kg em 112 dias, passou a crescer 3 vezes mais o seu peso em apenas 42 dias. Muitas das aves não conseguem ficar em pé sustentando o próprio peso, sentem dores, e permanecem sentadas no chão cercadas de sujeira, além de terem problemas cardiovasculares. 

Em 2020 uma nova exigência de receitas veterinárias para comprar antibióticos entrou em atividade, porém apenas se aplica para produtores de ração e não se estende para comercialização com fazendas de produção intensiva.

Os animais também são submetidos a ambientes completamente insalubres: locais extremamente apertados, aglomerações, muitas vezes sem luz natural. Esses fatores podem gerar alto níveis de estresse crônico e queda da imunidade, os tornando passíveis a infecções.

Filhotes de porcos têm a amamentação interrompida precocemente, o que também afeta o sistema imunológico. A fim de evitar doenças que podem se espalhar rapidamente entre os animais, o antibiótico é administrado como forma de profilaxia, um tipo de uso indevido e que ainda pode ocultar os casos graves de estresse.

 

Excesso de antibióticos na criação de animais são grave ameaça à saúde pública

Além de impactar profundamente a vida de milhares de animais, o manuseio de antibióticos para além do tratamento de doenças em fazendas industriais também pode ser considerado uma grave ameaça à saúde pública, segundo a OMS.

A população, ao mesmo tempo que pode estar ingerindo antibióticos sem saber, também tem a possibilidade de ser infectada por bactérias derivadas da exploração animal que contaminam todo o ambiente como solos e cursos d’água através das fezes e dejetos gerados pelos animais, que podem inclusive contaminar a produção de vegetais para consumo humano.

Assim como o uso de antibiótico sem recomendação médica pode desenvolver resistência das bactérias, tanto nos humanos quanto nos animais, ao consumir carnes e derivados, como laticínios e ovos, as pessoas passam a consumir também o antibiótico que foi ingerido pelo animal.

Uma pesquisa de 2017 realizada em mais de 20 fazendas industriais de porcos apontou que a média da concentração de antibióticos por 1kg de carne era de 358 mg, muito acima da média global, que é de 172 mg. O estudo foi realizado por Maurício Dutra, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.

O infectologista do Hospital das Clínicas da USP e professor da Inspirali São Judas, Evaldo Stanislau, ainda aponta que em 2050 o número de mortes por infecções causadas por bactérias pode ser maior do que outras doenças agressivas, como o câncer, caso não seja apresentada uma reversão no uso de antibióticos. Ainda que esteja disponível avanços na medicina, os medicamentos disponíveis podem não ser mais tão eficientes.

Por esses e outros motivos, é essencial considerar uma saúde que interliga os animais humanos e não humanos, e o meio ambiente. Considere uma alimentação 100% vegetal e mais sustentável para todos os seres.

 

Fontes: Estudo da Proteção Animal Mundial, em parceria com a Universidade de Bolonha, 2018 a 2020 com base em dados de 30 países e da FAO; Organização Mundial da Saúde (OMS); Ministério da Saúde.